NOVIDADES
Escrever, exercício da solidão
Crônica do Mario D'Andrea, Presidente e CCO da Dentsu Brasil
10/03/2015

Amigos, cá entre nós, esta nossa profissão tem mais desafios do que a vã filosofia poderia supor. Alguns deles se apresentam rapidamente, basta pensar um pouquinho.


. O desafio do descartável.
Sabe aquele seu famoso case de sucesso que acaba de trazer grandes resultados para um importante cliente? Pois bem, em questão de dias ele não vale mais nada. O que importa é o que você fará no próximo trabalho.
Poucas profissões são tão voláteis como a do publicitário.  O fracasso retumbante pode estar logo ali, na virada da esquina, à espreita de um descuido seu ou do seu cliente.


. O desafio do novo.
Todo o conhecimento que você acumulou em vários anos de trabalho pode desabar em minutos por uma nova tecnologia ou um fato novo. Você e tudo que você sabe pode se tornar obsoleto num click. E convenhamos, a trilha nova é sempre muito mais “sexy” do que  estrada já conhecida. Pelo menos até que algo ainda mais novo coloque tudo à prova. Novamente.


. O desafio do tempo.
Apesar do ser humano estar vivendo cada vez mais, a nossa vida está cada vez mais curta. Contraditório, não?
O tempo para curtir o nada, adiar decisões, deixar pra depois  – são atitudes em extinção. Nosso dia parece ser insuficiente para tantas informações. Suas conclusões sobre qualquer assunto podem alterar em questão de minutos, dependendo do que o mundo coloca à sua frente.
O “real time ” virou a mola propulsora tudo. E isso faz com que a margem de erro seja cada vez maior, porque seu time para pensar mais não é mais real.
Eu poderia aqui ficar enumerando mais e mais desafios que o mundo da comunicação nos coloca.
Mas o mais assustador ainda é aquele, o mais antigo de todos.


.Enfrentar uma página em branco.
Esse mesmo, meu amigo.
Garanto que você sabe do que estou falando.
A tela em branco e você ali, parado à sua frente.
É o início da montanha russa. A largada da maratona.
Uma mistura de ansiedade, coração batendo e, principalmente, solidão absoluta.
Por que nada mais solitário, meu amigo, do que enfrentar a tela em branco, esperando por um pensamento seu, uma frase que faça sentido.
É você, olhando para a tela e encarando com suas idéias. E mais ninguém.
A página em branco é um espelho rigoroso. Maldoso até.
Esse momento de angústia pode demorar segundos. Ou, no caso dos menos inspirados, horas. Dias.
São inúmeros os relatos de escritores ou jornalistas que tiveram o famoso “bloqueio”, época em que nada consegue ser transmitido de suas mentes para um texto.
Mas a força desse momento independe do tempo de duração. A sensação de não escrever em frente a uma tela em branco é sempre inesquecível. É como uma sombra pairando sobre a cabeça de qualquer profissional que leve a sério seu ofício.
Mas, quando você consegue passar a ansiedade inicial, o seu carrinho mental começa a descer velozmente pela montanha russa, despejando idéias numa velocidade às vezes incontrolável.
As coisas jorram, sejam bobagens ou não, mas jorram.
E você sente um prazer sem fim ao ver que venceu o desafio da página em branco mais uma vez.
E mesmo agora, em meio à essa euforia de palavras, uma coisa continua.
É a solidão.
Você e mais ninguém – apenas suas idéias, sem filtro, conversando e duelando sobre uma tela.
Sozinho. O critério do que fica ou não é totalmente seu.
Medos e bloqueios sociais praticamente desaparecem.
E você continua, sozinho, com o poder quase celestial de dar vida às palavras.
Muita responsabilidade?
Então, uma dica: divirta-se. Ria do que escreve, converse com você mesmo.
Nem que seja mentalmente.
E novas e mais idéias irão surgir e lhe fazer companhia.
Personagens fictícios ou não, histórias reais ou não, irão formar um círculo invisível em torno de você.
E, apesar de toda a solidão, você nunca irá se sentir tão bem acompanhado.